Monday, September 06, 2004

"O que você esperava? Um colant amarelo?" *

Uma das maiores dificuldades pelas quais nós, leitores de quadrinhos, sempre passamos é que essa arte é "infantil". Analisemos esse tabu.

A primeira reação do fã é ficar injuriado. "Ora, de onde eles podem ter tirado essa idéia tão ridícula?!", perguntaria pra si mesmo. Eu já me senti assim em diversos momentos. Agora se por um lado a visão dos leigos melhorou muito nos últimos anos, por outro eu já compreendo mais claramente porque ainda existem pessoas que acreditam na equação quadrinho = infantil. E a constatação mais surpreendente é que a culpa - se podemos dizer assim - não era (é) só da Mônica e da Disney.

Eu sempre gostei dos quadrinhos de super-heróis. Esse segmento sempre teve como público-alvo os meninos a partir dos sete anos - ou seja, meninos como o papai aqui, que começou nessa tenra idade a acompanhar X-Men, Novos Titãs, Homem-Aranha, Batman e coisas afins. Aí os guris crescem. Alguns vão bolinar meninas, e os mais nerds ainda ficam nos gibis. Mas não se deixe enganar; os leitores de 15 e 25 anos já não tem a mesma cabeça de quando tinham sete anos. Se antes aquele papo mocinho-vilão-dominar-o-mundo-identidade-secreta era o maior barato, agora não convence mais ninguém. Enfim, é uma puta criancice.

As HQs de super-herói é uma criação americana que traz todas as qualidades e defeitos desse povo. Ok, é divertido, tem ação, personagens interessantes. Mas no outro lado da moeda, é uma leitura rasa e escapista, surgida para tirar da cabeça das pessoas que o seu país está em guerra e explorando a economia de todo o terceiro mundo. Diria Stan Lee na bíblia: "Crie um herói, dê-lhe poderes e um uniforme colorido, e ninguém dará a mínima para os presos políticos da Chechênia. Alienai-vos!". Só que o que Tio Stan não saberia é que na verdade, não era só o público que vinha amadurecendo. Os tempos mudaram.

Aí tem um roteirista de quadrinho escocês chamado Grant Morrison. Esse cara é genial, mas é de senso comum que ele nunca bateu bem da cabeça. Depois que o World Trade Center foi pro papa-metralha, ele fez umas declarações pra lá de interessantes.

Seguem alguns das propostas dele e de Joe Quesada - editor-chefe da Marvel - na época (2002):

"De agora em diante, eles vão patrocinar o pacifismo e enfrentar os perigos do capitalismo global, a discriminação e o fundamentalismo religioso nas roupas comuns do homem do povo." (Morrison)

“Os heróis de verdade no mundo são os caras que entram às pressas em prédios desabando do World Trade Center tentando salvar vidas. O Homem-Aranha não estava lá e nem o Super-Homem. Aqueles bombeiros vestindo capa antitérmica e capacete compareceram ao local, não os super-humanos fantasiados. Na esteira de 11 de setembro, super-humanos violentos não são mais necessários. Nós deveríamos estar pondo em perspectiva os acontecimentos internacionais do momento em vez de organizar quebra-paus entre personagens coloridas”. (Morrison)

“A de-fantasiação dos heróis é uma tendência que vamos seguir na Marvel este ano e que vocês vão ver mais em 2002. Nem todos os heróis vão revelar sua identidade, mas alguns sim. Os heróis da Marvel sempre foram menos poderosos do que os da nossa concorrência. Por isso, lidam com ameaças e as questões da vida num patamar mais humano”. (Quesada)

Na mesma época, Jotapê Martins (tradutor e profissional das antigas em HQ no Brasil) já profetizava que essa conversa não estava cheirando bem. E ele tinha bons argumentos para isso. "Acontece, meus caros Morrison e Quesada, que super-herói sem escapismo e roupas chamativas é o mesmo que omelete sem ovo. Às vezes, funciona, como Watchmen e Miracleman, mas esses não são gibis de super-herói nem aqui, nem em Apokolips. Escapismo é a espinha dorsal do gênero. Sem ele, eu prefiro ler A comédia humana de Balzac e não os dilemas do sobrinho da tia May."

Depois de tanto enrolar (já notaram como eu adoro enrolar antes de entrar no assunto de uma vez?), chegamos ao ponto deste texto: os uniformes. Os fantásticos/ridículos/infantis uniformes.

Bom, sei que eu havia achado a notícia muito promissora. Apesar de reconhecer que os uniformes coloridos eram parte fundamental da estética dos quadrinhos, eu no alto dos meus 20 e tantos anos já não achava mais relevante um sujeito com capas, cuecas à mostra e logotipos no peito. Oras, se um cara consegue voar e ter superforça, usa esses dons para salvar vidas e fica na dele, por que ele teria que ter a obrigação de se destacar mais ainda com uma roupa multicor?

Talvez Morrison até acreditasse no que havia dito. Tanto que tentou colocar a idéia na prática ainda em 2001, quando assumiu a revista dos X-Men. A imagem lá de cima provocou rebuliço entre os fãs. Como assim, Wolverine sem máscara pontuda? Como assim, todos de jaqueta de couro, parecendo gente normal? Salva de palmas para a coragem de Grant Morrison!!

Pff...

Três anos depois...

O evento Reload também marca o retorno dos uniformes. Depois de uma fase com visual "modernosos", mais na linha de Matrix e dos filmes X-Men 1 e 2, os personagens retornam às suas origens.

É, era duro admitir, mas Jotapê tinha razão. Em nome do lucro fácil, da falta de ousadia e vácuo de criatividade, e acima de tudo, da mania de refazer e desfazer eventos criativos que nada mais são do que estratégias de marketing... em nome disso tudo, gibis de super-heróis ainda serão, por muito tempo, coisa de menino buchudo.


* Trecho de diálogo entre Ciclope e Wolverine em X-Men - O Filme (2000), filme precursor da tendência da "de-fantasiação", e que levou Morrison a adotá-la nos quadrinhos
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