Wednesday, September 29, 2004

....I've made this whole world shine for yoooou...

No capítulo anterior, nosso herói (eu) estava explicando que Smallville é muito legal porque respeita a fonte original - a origem do Super-homem nos quadrinhos - ao mesmo tempo em que cria elementos totalmente novos. Tudo embalado de uma forma que agrada a fãs e leigos, sem ofender a inteligência e bom gosto de ambos.

Desta forma, a série vem conseguindo criar um foco paralelo de resistência a dois dos maiores males dos quadrinhos norte-americanos: o desgaste e a cronologia. Ambos são doenças fatais para personagens que já passaram dos 30 anos; que dirá o Super, nos seus mais de 60. E aí? Como trazer idéias novas para o universo do personagem, e durante este processo, não ignorar o que outros roteiristas já definiram e consolidaram nas últimas seis décadas? E mais ainda: como conduzir esta tarefa ao mesmo tempo em que mantém os fãs antigos e tenta atrair novos?

Vamos ver o que Smallville tem feito quanto a isso.

O episódio-piloto traz como ponto de partida o momento em que o bebê de Krypton, Kal-El, chega à Terra em uma pequena nave. Quem assistiu o primeiro filme do Homem de Aço talvez lembre do casal de fazendeiros, Jonathan e Martha Kent, que estavam por perto quando a nave aterrizou em Smallville. Encontram o pirralho, o levam dali e o adotam, dão-lhe o nome de Clark, blablabla. Enfim, essa seqüência ocorreu na série também. Mas o grande diferencial é que, na série, a vinda de Kal-El não afetou só a vida dos Kent.

Algumas das pessoas que terão algum papel na adolescência de Clark foram diretamente atingidas pelo acontecimento. Na verdade, a primeira sacada inteligente da série foi envolver a vinda da nave em uma chuva de meteoros, um fato novo no Superuniverso. O que isso provocou? O jovem Lex Luthor sofreu um trauma físico em um dos impactos das rochas: perdeu os cabelos e desde então ostenta a famosa carequinha. Já Lana Lang, o primeiro amor da vida de Clark, perdeu os pais porque um meteoro atingiu em cheio a casa onde eles estavam; o fato terá grande importância na formação da personalidade da garota.

Os meteoros puderam disfarçar melhor uma falha dos criadores do Super: ajudaram a ocultar a nave, que se tornou mais um entre muitos corpos estranhos vindos do espaço - e assim o governo não percebeu de cara que o acidente trouxe algo mais além de rochas verdes. E por fim, mas não menos importante: os tais meteoros nada mais eram do que fragmentos do solo de Krypton, que ao atravessarem o espaço até a Terra, adquiriram capacidades radioativas inéditas. Sim, estamos falando da famosa kryptonita, que além de desempenhar o seu clássico papel - ser a fraqueza-mor de Clark - ela trouxe à Terra uma radiação que gerou poderes em diversas pessoas da cidade. Com o tempo, estas se tornarão vilões dos episódios de Smallville, enfrentando Clark quase de igual pra igual. Outra inovação além-quadrinhos.

A primeira temporada já foi um grande sucesso. Os enredos eram bastante simplificados, fechados basicamente em Clark enfrentando algum habitante da cidade que adquiriu superpoder por causa dos meteoros. Em paralelo, vemos o surgimento dos superpoderes um a um - como a supervelocidade e visão de raio X - e o desenvolvimento da relação de Clark com Lana e Chloe - um triângulo amoroso, obviamente -, Pete Ross e Lex Luthor. Os novos atores caíram nas graças do público; Tom Welling possui traços físicos que lembram um Christopher Reeve de 18 anos, além do ar de timidez tão em moda hoje em dia no gosto feminino. A atuação de Michael Rosembaum faz com que fiquemos indecisos se confiamos ou não no futuro arquiinimigo do Azulão. Já Kristin Kreuk (Lana) e Allison Mack (Chloe) são muito lindas e, se não são lá uma Lauren Bacall, também estão longe de serem canastronas.

Além disso tudo, alguns membros da produção também são velhos conhecidos dos nerds: além do produtor David Nutter, temos Mat Beck nos efeitos especiais e Mark Snow na trilha sonora. Os três faziam parte da equipe de Arquivo X (dito isso, é justificável o clima dark de alguns episódios de Smallville).

Animados com o sucesso, os produtores e criadores da série, Alfred Gough e Miles Millar, puderam experimentar um pouco mais no segundo ano. Resolveram atender aos inúmeros pedidos dos leitores das HQs e os episódios se tornaram cada vez mais amarrados. As tramas começavam a dar sucessivas pistas do passado de Clark, como uma caverna cheia de inscrições e sinais misteriosos cravados em suas paredes. Destaque ainda para a emocionante aparição de Christopher Reeve como um astrólogo que explica a Clark a tradução destes códigos, dizendo a ele o nome de seu planeta natal (Krypton) e seu nome de batismo (Kal-El).

Dizem que o sucesso está nos detalhes, e com Smallville tem sido assim. Dois exemplos são os episódios "Red" e "Heat". O primeiro introduz a kryptonita vermelha, outro elemento da mitologia do herói. Pelo que eu lembro das HQs e do desenho Superamigos, ela tinha a capacidade de descontrolar e/ou distorcer os poderes do Super. Mas na série, ela o afeta psicologicamente, liberando todos os seus desejos reprimidos. Ou seja, com a pedra rubra, Clark vira um bad boy alucinado, louco para exibir seus poderes e agarrar garotas (!!). Já em "Heat", Clark descobre mais um superpoder - a visão de calor - durante uma aula de ciências, comendo com os olhos a professora boazuda! Uma metáfora da ejaculação, tal qual as teias de Peter Parker no filme do Homem-Aranha.

Nesta temporada, também é importante destacar o crescimento de Lionel Luthor - pai de Lex - como o vilão oficial da série, enquanto seu filho ainda está "bonzinho". Como Smallville tem ecos de Arquivo X, Lionel assume o papel do Canceroso: manipulador ao extremo, está sempre um passo à frente dos demais personagens e não hesita em preparar seu filho para ser tão ou mais inescrupuloso quanto ele. Além do mais, tanto o empresário quanto o carequinha estão atuando nos bastidores para descobrir a verdade sobre Clark Kent. Lex também conhece a médica Helen Bryce e com ela inicia um namoro que dá altamente errado (paro por aqui pra não estragar surpresas). Enfim, a relação de Lex Luthor com o pai e Helen são mais uma grande passo adiante, explorando um território que os quadrinhos quase não usaram - à exceção de uma graphic novel sobre Lex que recontou a origem do vilão, em meados dos anos 80.

Não tenho muito a falar da terceira e quarta temporadas. A terceira começou a passar recentemente no SBT (eu sou pobre e não tenho Warner Channel em casa) e do pouco que vi, é praticamente uma continuação do estilo da segunda. Ou seja, mais pistas da origem de Clark vindo por aí. Já a quarta tem ocupado meus temores mais íntimos. Lembram o que eu disse no outro texto? Há de ter respeito à fonte (os quadrinhos), mas sem perder a noção jamais. Mas parece que eles estão dispostos a perder essa noção, pois as últimas notícias têm informado que a jovem Lois Lane vai se tornar a nova coadjuvante da série. Ora, qualquer fã sabe que Lois só surge na vida do Super quando este já é um adulto morando em Metropolis. Se ainda existe Lana na série para ser a primeira namorada de Clark, é um absurdo antecipar tanto a entrada de Lois.

E não é só isso! Os caras vão trazer o jovem Flash para travar uma corrida com Clark. Tá, beleza. Outra boa notícia é que Margot Kidder, a Lois da cinessérie original, também fará participações especiais como a secretária do Dr. Swann (Christopher Reeve). Mas o mais esdrúxulo é que Mxyzptlk, o vilão mais escrachado do Super - aquele que vivia chamando ele de "Superbobo" nos Superamigos, também vai dar as caras! Pra terminar com uma boa notícia, parece que Clark finalmente vai adquirir o poder de voar.


***

O Super-Homem já foi Superboy, de uniforme e tudo, salvando Smallville com um supercachorro chamado Krypto. Depois os editores desistiram dessa versão tão demodé e optaram por lhe dar uma adolescência igual à que vimos em Smallville, no qual os poderes foram surgindo aos poucos, como na mudança de metabolismo de qualquer jovem. Lex já foi um cientista que era amigo do Superboy, e que tornou-se vilão após um acidente em seu laboratório que o fez perder os cabelos. A versão atual de Lex Luthor é a de um empresário que vê no Super a maior barreira entre ele e a extensão de seu poderio econômico e político.

O mais legal de Smallville é conseguir condensar todo esse balaio de gato das HQs de forma coesa e atrativa para todo mundo: desde a menina que sequer sabe a diferença entre Krypton e Gotham até o fanboy que decora o número de vezes em que Clark Kent trocou de roupa na cabine telefônica. A série tem lá seus vacilos, como algumas coisas meio inverossíveis nos roteiros - é um absurdo o número de vezes em que Clark usa seus poderes ao ar livre sem que ninguém note, por exemplo. Mas no geral, Smallville é mais um bom sinal de que é possível combinar inteligência e entretenimento sem precisar exatamente de uma cueca vermelha por cima da calça e um bordão desgastado.

No SBT, domingos, às 14h30.

Monday, September 20, 2004

Somebody saaaaaaave meeeee....

Smallville está fazendo uma pequena revolução no ramo do entretenimento e dos super-heróis.

Tá certo, seriado de TV não é quadrinho. Mas este aqui é baseado em quadrinho. E eu pretendo falar aqui sobre Smallville como ponto de partida de uma discussão maior, sobre dois fenômenos comuns nos quadrinhos de heróis: o desgaste e a cronologia.

Pra começar, aqui vai um resuminho de Smallville: esta série da TV a cabo da Warner Channel, sucesso de público e de crítica nos Estados Unidos, mostra a adolescência de Clark Kent, vulgo Super-Homem. Nela, o futuro Homem de Aço começa a passar por transformações físicas e descobrir seus poderes sobre-humanos, enquanto enfrenta as mesmas inquietações e conflitos vividos por outros jovens de sua idade.

A série é uma adaptação livre da origem do Super. O episódio-piloto mostra a nave que traz o bebê de outro planeta aterrissando na cidade de Smallville, onde moram os fazendeiros Jonathan e Martha Kent. Eles decidem assumir o risco de adotar o menino, ocultando de todos o fato dele ser extraterrestre. Já na adolescência, ele descobre que possui uma força além do comum, que o ajuda a salvar a vida de Lex Luthor (seu futuro inimigo na fase adulta) em um acidente de carro. O rapaz, filho do empresário corrupto e manipulador Lionel Luthor (de terno, na foto), nesta fase de sua vida ainda apresenta uma personalidade "do bem". Lex se torna amigo de Clark a partir do fato. O restante do elenco principal é composto pelos adolescentes Pete Ross, a aspirante a jornalista Chloe Sullivan (a galega) e Lana Lang (a morena). Essa última é a paixonite de Clark, que teme falar a verdade a ela sobre sua origem por conta dos riscos envolvidos.

O programa foi concebido pelos produtores Alfred Gough e Miles Millar para ser uma espécie de Dawson's Creek com superpoderes. "O coração da série é fazer Clark ser vulnerável", explica Millar, que diz que teve a aprovação da DC Comics para tomar toda a liberdade com a história. "Nós não queríamos fazer um Superboy, então por isso é que nós tiramos o paletó, a capa e o fato dele poder voar. Nós queríamos ver ele como uma pessoa real. É algo chato ser o Superman".

Voltando ao segundo parágrafo: por que essa série se tornou tão relevante a ponto de ser referência nos quesitos "desgaste" e "cronologia"?

O Super-Homem foi o marco inicial e sempre será o parâmetro-mor dos quadrinhos de super-heróis. O personagem existe há mais de 60 anos e ainda é um fenômeno de popularidade, um ícone máximo da cultura pop. Entretanto, esse mesmo sucesso sempre se volta contra ele. Não é nada fácil elaborar conceitos e detalhes novos para um personagem que já passou por tanta coisa. E ainda por cima trazer boa qualidade às histórias - sem desvirtuar demais o universo do herói - e manter a imensa base de fãs que ele possui. O maior exemplo do desgaste que ele vem sofrendo nos últimos anos foi o arco da sua morte e ressurreição, em meados de 1993. Quer mais apelação pra vender revista do que matar e ressuscitar o fulano?

Sobre a cronologia: havia um tempo em que cada história e cada tira tinha um começo, meio e fim. Aí Alex Raymond começou a fazer do seu Flash Gordon uma tira seriada, como uma novela dividida em capítulos. Aì viram que era algo divertido de se fazer e aplicaram aos super-heróis. Nada dessa história de acabar ali mesmo: vamos estender a trama para os fãs acompanharem. Rende mais lucros pra nóis, editores.

Há quem defenda o uso de cronologia porque ajuda a construir um universo sólido para o personagem e também rende histórias mais interessantes por terem maior grau de complexidade. E há quem ataque justamente essa complexidade cronológica. Oras, quem garante que o leitor vai querer acompanhar a revista pelo resto da vida? Ele tem dinheiro num dia, mas pode perder a mesada ou o emprego, aí meses depois compra um gibi e fica sem entender nada. Sem falar nos constantes erros e contradições de cronologia, que ocorrem quando a revista é escrita não pelo criador do personagem, mas por equipes rotativas que não tem como saber de tudo que já aconteceu na vida do personagem. Aliás, até tem. Mas são preguiçosos demais para pesquisar. Essas são veeeeeelhas histórias para quem já acompanhou uma HQ de super-herói durante um período de sua vida...

Devido à sua longevidade, o Super-Homem já passou pela mão de um monte de roteirista, cada um com uma visão diferente. Portanto, apesar de terem mantido muita coisa dos criadores Jerry Siegel e Joe Shuster, várias informações e características do herói já foram alteradas em maior ou menor grau. Inclusive a sua origem. Nos anos 80, a série Crise nas Infinitas Terras reformulou um monte de herói, inclusive o Azulão. Aí recentemente, a DC Comics já inventou de fazer uma nova origem com outras informações... enfim, tudo em nome do marketing, como falei há uns dois posts.

A tal "pequena revolução" de Smallville tem a ver com tudo isso. Quando ninguém mais achava que o Super renderia algo que prestasse, os produtores Alfred Gough e Miles Millar vieram com essa sacada. Era um grande risco, visto o fiasco da série anterior do Super, a funesta Lois e Clark. Mas a série surpreendeu fãs e não-fãs com um pensamento importantíssimo na cabeça: há de ter respeito à fonte (os quadrinhos), mas sem perder a noção jamais.

E como eles conseguiram isso? O próprio Millar respondeu em parte essa questão, ao dizer que queria fazer de Clark uma pessoa vulnerável e que pôde alterar a história em função do desenvolvimento da série. Mas tem mais sobre esse assunto no próximo capítulo. Olha aí eu apelando pra cronologia...

Saturday, September 11, 2004

Tirinhas

* Bryan Singer é um vendido por ter trocado a direção de X-Men 3 pela de Superman! É possível que o filme do Super finalmente saia agora, e que fique muito bom. Mas pelo que foi visto em X2, Bryan já estava em um nível muito afiado de relação com o universo dos mutantes. Acredito que vá fazer falta, apesar dos produtores Avi Arad e Tom DeSanto ainda estarem envolvidos. Estão comentando que o criador de Buffy, Joss Whedon, vai dirigir o terceiro filme (ele está escrevendo uma das revistas X na Marvel atualmente). Eu detesto Buffy, mas pode ser que ele me surpreenda. Torcerei.

* Falando em Tom DeSanto, ele e Don Murphy (produtor do filme da Liga Extraordinária, lançado em 2003) já estão pré-produzindo o filme dos Transformers! Estão para escolher diretor e roteirista muito em breve. Apesar de estar no começo ainda, esse filme já rendeu muitas boas notícias.

1) DeSanto e Murphy são fãs de quadrinhos e produtores de responsa (o fato da Liga ter sido uma bomba foi mais culpa de Sean Connery do que outra coisa);
2) Além deles dois, os outros produtores executivos confirmados são Lorenzo di Bonaventura (Constantine) e ninguém menos que a lenda Steven Spielberg!
3) Vejam um dos planos de DeSanto para o filme: "Em todos os meus anos na indústria do cinema, eu nunca vi a imagem de um caminhão transformando-se num robô gigante nas telas. Também quero fazer um homenagem aos filmes dos anos 80 e tentar trazer de volta um pouco do fascínio que Holywood perdeu nos últimos anos";
4) Don Murphy já quer saber a opinião dos fãs (!!!) sobre o filme! Ele mantém no site oficial dele um fórum pedindo opiniões sobre um possível diretor e abrir discussões nerds sobre Transformers;
5) O mesmo produtor está agora perguntando em seu mesmo site: "Simon Furman [escritor do gibi dos Transformers] entrou em contato comigo e se ofereceu para trabalhar como consultor. O que vocês acham disso?"

Se tudo der certo como está dando, vai ser um sonho meu realizado. O filme está marcado para estrear em 2006.

Monday, September 06, 2004

"O que você esperava? Um colant amarelo?" *

Uma das maiores dificuldades pelas quais nós, leitores de quadrinhos, sempre passamos é que essa arte é "infantil". Analisemos esse tabu.

A primeira reação do fã é ficar injuriado. "Ora, de onde eles podem ter tirado essa idéia tão ridícula?!", perguntaria pra si mesmo. Eu já me senti assim em diversos momentos. Agora se por um lado a visão dos leigos melhorou muito nos últimos anos, por outro eu já compreendo mais claramente porque ainda existem pessoas que acreditam na equação quadrinho = infantil. E a constatação mais surpreendente é que a culpa - se podemos dizer assim - não era (é) só da Mônica e da Disney.

Eu sempre gostei dos quadrinhos de super-heróis. Esse segmento sempre teve como público-alvo os meninos a partir dos sete anos - ou seja, meninos como o papai aqui, que começou nessa tenra idade a acompanhar X-Men, Novos Titãs, Homem-Aranha, Batman e coisas afins. Aí os guris crescem. Alguns vão bolinar meninas, e os mais nerds ainda ficam nos gibis. Mas não se deixe enganar; os leitores de 15 e 25 anos já não tem a mesma cabeça de quando tinham sete anos. Se antes aquele papo mocinho-vilão-dominar-o-mundo-identidade-secreta era o maior barato, agora não convence mais ninguém. Enfim, é uma puta criancice.

As HQs de super-herói é uma criação americana que traz todas as qualidades e defeitos desse povo. Ok, é divertido, tem ação, personagens interessantes. Mas no outro lado da moeda, é uma leitura rasa e escapista, surgida para tirar da cabeça das pessoas que o seu país está em guerra e explorando a economia de todo o terceiro mundo. Diria Stan Lee na bíblia: "Crie um herói, dê-lhe poderes e um uniforme colorido, e ninguém dará a mínima para os presos políticos da Chechênia. Alienai-vos!". Só que o que Tio Stan não saberia é que na verdade, não era só o público que vinha amadurecendo. Os tempos mudaram.

Aí tem um roteirista de quadrinho escocês chamado Grant Morrison. Esse cara é genial, mas é de senso comum que ele nunca bateu bem da cabeça. Depois que o World Trade Center foi pro papa-metralha, ele fez umas declarações pra lá de interessantes.

Seguem alguns das propostas dele e de Joe Quesada - editor-chefe da Marvel - na época (2002):

"De agora em diante, eles vão patrocinar o pacifismo e enfrentar os perigos do capitalismo global, a discriminação e o fundamentalismo religioso nas roupas comuns do homem do povo." (Morrison)

“Os heróis de verdade no mundo são os caras que entram às pressas em prédios desabando do World Trade Center tentando salvar vidas. O Homem-Aranha não estava lá e nem o Super-Homem. Aqueles bombeiros vestindo capa antitérmica e capacete compareceram ao local, não os super-humanos fantasiados. Na esteira de 11 de setembro, super-humanos violentos não são mais necessários. Nós deveríamos estar pondo em perspectiva os acontecimentos internacionais do momento em vez de organizar quebra-paus entre personagens coloridas”. (Morrison)

“A de-fantasiação dos heróis é uma tendência que vamos seguir na Marvel este ano e que vocês vão ver mais em 2002. Nem todos os heróis vão revelar sua identidade, mas alguns sim. Os heróis da Marvel sempre foram menos poderosos do que os da nossa concorrência. Por isso, lidam com ameaças e as questões da vida num patamar mais humano”. (Quesada)

Na mesma época, Jotapê Martins (tradutor e profissional das antigas em HQ no Brasil) já profetizava que essa conversa não estava cheirando bem. E ele tinha bons argumentos para isso. "Acontece, meus caros Morrison e Quesada, que super-herói sem escapismo e roupas chamativas é o mesmo que omelete sem ovo. Às vezes, funciona, como Watchmen e Miracleman, mas esses não são gibis de super-herói nem aqui, nem em Apokolips. Escapismo é a espinha dorsal do gênero. Sem ele, eu prefiro ler A comédia humana de Balzac e não os dilemas do sobrinho da tia May."

Depois de tanto enrolar (já notaram como eu adoro enrolar antes de entrar no assunto de uma vez?), chegamos ao ponto deste texto: os uniformes. Os fantásticos/ridículos/infantis uniformes.

Bom, sei que eu havia achado a notícia muito promissora. Apesar de reconhecer que os uniformes coloridos eram parte fundamental da estética dos quadrinhos, eu no alto dos meus 20 e tantos anos já não achava mais relevante um sujeito com capas, cuecas à mostra e logotipos no peito. Oras, se um cara consegue voar e ter superforça, usa esses dons para salvar vidas e fica na dele, por que ele teria que ter a obrigação de se destacar mais ainda com uma roupa multicor?

Talvez Morrison até acreditasse no que havia dito. Tanto que tentou colocar a idéia na prática ainda em 2001, quando assumiu a revista dos X-Men. A imagem lá de cima provocou rebuliço entre os fãs. Como assim, Wolverine sem máscara pontuda? Como assim, todos de jaqueta de couro, parecendo gente normal? Salva de palmas para a coragem de Grant Morrison!!

Pff...

Três anos depois...

O evento Reload também marca o retorno dos uniformes. Depois de uma fase com visual "modernosos", mais na linha de Matrix e dos filmes X-Men 1 e 2, os personagens retornam às suas origens.

É, era duro admitir, mas Jotapê tinha razão. Em nome do lucro fácil, da falta de ousadia e vácuo de criatividade, e acima de tudo, da mania de refazer e desfazer eventos criativos que nada mais são do que estratégias de marketing... em nome disso tudo, gibis de super-heróis ainda serão, por muito tempo, coisa de menino buchudo.


* Trecho de diálogo entre Ciclope e Wolverine em X-Men - O Filme (2000), filme precursor da tendência da "de-fantasiação", e que levou Morrison a adotá-la nos quadrinhos
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